Texto da minha amiga jornalista Jeane. Uma delícia de ler e entender sobre dois lados de uma mesma moeda!!
“Tudo é Duplo; tudo
tem polos; o igual e o desigual são a mesma coisa; os opostos são idênticos em
natureza, mas diferentes em grau; os extremos se tocam; todas as verdades são
meias-verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliados.” (O Caibalion)
O texto acima vem do Antigo Egito e pertence a preceitos do
conhecimento mais profundo. Um conhecimento que, num mundo cada vez mais
acelerado e cheio de ocupações e distrações, parece cada vez mais distante das
pessoas “comuns”. E assim, não compreendemos nosso próprio corpo e nossa
natureza.
Some-se a isso a forte cultura cristã-católica que impregna
nossa sociedade há mais de dois milênios. Uma cultura que ensina que somos
todos pecadores, onde a dor é punição ao pecado do prazer. “Parirás entre
dores”, diz Deus à Eva, depois que esta cai em tentação e come o fruto
proibido. Essa ideia foi tão infundida e propagada que hoje poucos lembram que
dor e prazer são extremos de uma mesma sensação, opostos sim, mas que se tocam.
Frio e calor, amor e ódio, luz e escuridão, fraqueza e
força... vivemos sempre entre extremos que se alternam, e buscando o ponto de
equilíbrio. E esse ponto não é a combinação perfeita dos opostos, mas a
compreensão do fluxo, do eterno ir e vir (ao princípio da Polaridade, citado no
começo deste texto, se segue o do Ritmo – tudo
tem fluxo e refluxo; tudo tem suas marés; tudo sobe e desce; tudo se manifesta
por oscilações compensadas; o ritmo é a compensação).
Talvez em nenhum momento esse Ritmo da natureza possa ser
melhor compreendido do que no trabalho de parto: as contrações não são
contínuas, vão e vêm como ondas. Se a dor por um momento chega a parecer
insuportável, em seguida ela se vai, e volta a sensação única e sublime de
estar trazendo uma vida ao mundo. Mas nos ensinaram que aquele serzinho que
está nascendo é fruto do pecado, e o nascimento tem que doer muito para sermos
perdoadas... é justo e correto que nascer seja algo sofrido?
Sofrimento. Talvez esteja aqui um outro grande equívoco. Associamos
toda dor a um sofrimento, a uma coisa extremamente negativa, ruim. Às vezes,
sim, a dor é um alarme do corpo de que algo não está bem. Em outras, é apenas
um sinal de que algo está se modificando, de que estamos tentando expandir nossos
limites. A dor pode ser apenas uma reação do corpo a algo a que ele não está
acostumado. A primeira relação sexual costuma doer, porque o corpo nunca viveu
aquilo. Ou quando se começa a praticar exercícios físicos regularmente, o corpo
dói até se acostumar a ser levado a outros limites.
Mesmo com dor, o sexo e a ginástica nos trazem sensações de
bem-estar. Liberam endorfina, o hormônio do prazer. Já em situações de
estresse, o corpo produz adrenalina, um hormônio que nos deixa mais alertas
para avaliar o perigo e partir para a fuga ou a luta. A descarga de adrenalina
deixa o coração acelerado, os músculos mais enrijecidos... uma tensão que é necessária
em momentos em que precisamos usar nosso instinto de sobrevivência, mas que nos
sobrecarrega quando é constante. E que atrapalha o ritmo quando outros
hormônios deveriam estar em ação.
Endorfina e adrenalina estão presentes no trabalho de parto,
mas é um momento em que a função maior pertence à ocitocina, tão importante que
é chamada de hormônio do amor. Além de estimular as contrações e a lactação, a
ocitocina é responsável pelo vínculo intenso se forma entre mãe e bebê naquele
momento. É nos primeiros instantes após o nascimento que o corpo da mãe está
repleto do hormônio do amor, e é também ele que a faz amar mais do que tudo
aquele bebezinho que ela acaba de tomar nos braços pela primeira vez.
Isso não quer dizer que o vínculo não possa ser feito sem
essa descarga de ocitocina. Mas acaba sendo mais lento e difícil. No caso de
uma cesariana, além da falta do hormônio, a mãe está com parte do corpo
anestesiado, os braços presos a soro e aparelhos, não consegue receber seu
filho como se estivesse livre. (Claro que há casos em que a cirurgia se faz
necessária. Mas ela devia ser apenas um procedimento de emergência, não de comodidade).
Muitas mulheres se submetem a esse procedimento apenas pelo medo de sentir
muita dor, de não suportar a dor do parto. Nem vamos entrar na questão do parto
natural ser muito melhor para o bebê, que nasce mais forte e ativo, e para a
mãe, que se recupera mais rápido, estando logo pronta a cuidar de seu filho.
Para um grande número de gestantes, o medo da dor parece ser maior do que as
vantagens do parto natural.
O que não falta ao redor de grávidas são outras mulheres que
tiveram experiências negativas de parto e, na maioria das vezes com boa
intenção, transferem o seu trauma. Isso sem que nem a que
vai passar quanto aquela que já passou questionem o que faz com que um
nascimento, que deveria ser um momento especial, seja visto de forma tão
sofrida. Talvez tenha sido o ambiente pouco acolhedor do hospital, o
desconforto de ser obrigada a ficar numa posição desfavorável ao parto (deitada
de barriga para cima), ou o uso da ocitocina sintética. A versão artificial do
hormônio do amor é ministrada para acelerar as contrações, fazendo com que o
trabalho de parto seja mais rápido. Mas querer apressar o ritmo da natureza tem
um preço. As dores são muito mais intensas, e o organismo confuso com aquele
hormônio extra não consegue fazer a compensação que torna a dor do parto
suportável.
Quando está totalmente entregue ao processo de trazer seu
filho ao mundo, diz-se que a partir de determinado ponto do TP a mulher entra
na Partolândia. Não é mais a mente racional quem comanda, é o instinto de
mamífera, de fêmea que sabe deixar que seu corpo faça o que for preciso. O
mesmo corpo que por nove meses abrigou e nutriu, agora recebe os sinais do bebê
de que ele está preparado para a vida fora do útero. E então encaminha seu
fruto, que no trajeto apertado que precisa percorrer já vai aprender a superar
obstáculos, e chegar aqui do outro lado mais forte. Durante esse processo, uma
cascata de hormônios se derrama sobre o corpo da mulher. É algo tão intenso que
a dor pode ficar pequena diante de todas as outras sensações que o TP provoca.
Mas, claro, isso só é possível se a parturiente estiver
tranquila e segura o suficiente para deixar seu instinto comandar este momento.
Se puder respeitar os sinais de seu corpo ao invés de ser obrigada a ficar na
mesma posição desconfortável por horas. Se tiver um ambiente calmo ao seu
redor, com luz suave e pouco barulho. Se tiver ao seu lado apenas pessoas que
lhe deem o apoio necessário, sem querer interferir na natureza apenas para que
o bebê nasça mais rápido, permitindo que tudo aconteça a seu tempo.
Jeane Bordignon é Jornalista e Ativista da Humanização do Parto e Nascimento.
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