Como pacientes são maltratadas e por que a cesárea, a episiotomia e o uso de ocitocina são considerados abusos
Por: Cida de Oliveira e Yohana de Andrade
Publicado em 12/03/2012
Era final de tarde de
uma quarta-feira chuvosa quando Ana Cristina percebeu que estava na hora.
Dirigiu-se ao Hospital Maternidade Leonor Mendes de Barros, no Belenzinho, zona
leste paulistana, e, com dores e inquieta, aguardou pelo atendimento. “Eles tratam
mal quem faz escândalo”, temia. Depois de esperar por quatro horas, na
companhia da mãe, foi informada: não havia vagas e deveria procurar outro lugar
para ter o bebê.
Telefonou para o
irmão e pediu ajuda. Precisariam atravessar a cidade para ir até a Santa Casa
de Misericórdia, na região central – reconhecida pela qualidade do atendimento,
apesar da quantidade enorme de pacientes. Finalmente, à 1h da manhã, Ana
conheceu João, seu primeiro filho.
Frases como “Na hora
de fazer não doeu, né?”, “Não fechou as pernas na hora certa, agora aguenta!”
estão entre as mais lembradas pelas entrevistadas na pesquisa Mulheres
Brasileiras e Gênero nos Espaços Público e Privado, de 2010, feita pela
Fundação Perseu Abramo e pelo Serviço Social do Comércio (Sesc). A cada quatro
gestantes, uma sofreu maus-tratos quando deu à luz, aponta o estudo. Os relatos
são de exame de toque doloroso, negativa de alívio da dor, falta de explicação
para os procedimentos adotados, grosserias e ausência de atendimento. Essa
via crucis é uma face da violência a que muitas mulheres em todo o mundo, em
especial as mais pobres, estão expostas na hora do parto. No momento mais
importante de sua vida, em que deveria prevalecer o sentimento de felicidade
pela chegada do filho, são vítimas de negligência, discriminação social,
violência verbal (grosserias, ameaças, reprimendas, gritos), humilhação
intencional e violência física, como a falta de medicação anestésica quando
indicada pelo médico, e até mesmo abuso sexual.
Para o sociólogo e
coordenador da pesquisa, Gustavo Venturi, da Universidade de São Paulo (USP),
nem todas têm consciência de estar sendo maltratadas. “Mulheres com menor
escolaridade não consideram ter sido desrespeitadas. Para elas, que se baseiam
no que ouviram da experiência de amigas e parentes próximas, o parto em
hospital é assim mesmo. Vai doer; vão gritar com ela. Há até a percepção de
algo negativo, mas por ser visto com naturalidade não é entendido como
maus-tratos” , afirma. Isso explica em parte por que muitas, assustadas,
sufocam sua maneira de expressar a dor e, caladas, chegam a morder a si mesmas.
Segundo pesquisa da
psicóloga Janaína Marques de Aguiar, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio
Arouca, ligada à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a violência institucional nas
maternidades é determinada, em parte, por uma discriminação de gênero, que
transforma diferenças – ser mulher, pobre de baixa escolaridade – em
desigualdades. Quando é negra, sofre ainda discriminação racial.
Outro aspecto grave é
a persistência de uma relação hierárquica na qual a paciente é tratada como uma
peça de intervenção profissional, e não sujeito dos próprios atos e decisões
sobre o que lhe acontece. Isso tudo num contexto histórico e ideológico que
coloca a mulher num papel inferior tanto do ponto de vista físico como social,
no qual seu corpo e sua sexualidade tornam-se objeto de controle da medicina.
A desinformação é
outro fator que contribui para a violência na maternidade. “A maioria das
mulheres vai para o parto sem nenhuma informação”, aponta Simone Diniz,
professora do Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Saúde
Pública da USP. “Muitas são convencidas a aceitar a cesárea na hora, momento de
dor aguda não apropriado para a reflexão sobre qual é a melhor decisão.” Esse
tipo de parto, rápido e prático apenas para o médico, pois na maioria das vezes
é desnecessário e expõe a parturiente aos riscos que envolvem uma cirurgia, vem
sendo considerado uma das maiores violências.
De acordo com o
Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (Sinasc) e o Sistema de Informação
Hospitalar (SIH/SUS), todo ano são registrados cerca de 3 milhões de
nascimentos no Brasil, dos quais 46,6% por parto cirúrgico. Em 2007, no sistema
público, a taxa de cesarianas foi de 35% e, no atendimento privado, de 80%. O
limite recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é 15%. O índice
brasileiro é superior aos registrados em qualquer outro país do mundo. Segundo
a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde, de 2006, a maioria das cesarianas é
agendada com antecedência.
As gestantes que
conseguem ter parto natural são, na maioria das vezes, submetidas à
episiotomia, procedimento condenado internacionalmente, no qual as mulheres têm
a vulva e a vagina cortadas e costuradas sem necessidade. Hoje se sabe que a
recuperação é mais rápida quando há laceração muscular devido à pressão natural
da cabeça do bebê, e não quando o corte é feito artificialmente, por meio de bisturi.
Outro procedimento agressivo é a administração excessiva do hormônio ocitocina,
que potencializa as contrações uterinas – e as dores – para que o nascimento
seja mais rápido.
“O trabalho de parto,
que pode durar de oito a dez horas, é uma oportunidade para a equipe de saúde
conversar e estabelecer um vínculo com as pacientes”, opina Elder Lanzani
Freitas, estudante da Faculdade de Medicina da USP.
O Sistema Único de
Saúde (SUS) e a Agência Nacional de Saúde (ANS), que regulamenta as operadoras
de saúde no Brasil, já realizam algumas ações para a humanização do parto e a
conscientização de médicos e pacientes.
Desde 2000, o
programa Trabalhando com Parteiras Tradicionais pretende melhorar a atenção ao
parto domiciliar e busca sensibilizar os gestores do SUS e profissionais de
saúde para que reconheçam as parteiras como parceiras e desenvolvam ações para
apoiar e qualificar o trabalho. Nesse caso, entende-se por humanização o parto
natural centrado na individualidade da mulher e com a abordagem de tecnologia
adequada. Seu predomínio significará que as taxas de maus-tratos na hora do
nascimento terão diminuído.
Grávida: o que fazer?
Muitos dos abusos
cometidos contra as mulheres não aconteceriam se elas estivessem bem
informadas. Assim, o primeiro passo é entender o próprio corpo e o que acontece
com ele na gravidez. Cada uma deve ter capacidade de escolher o que é melhor
para si, não para a equipe médica ou para o marido. Também se deve lembrar que,
por milhares de anos, bebês nasceram sem a necessidade de uma cirurgia: partos
normais eram o bastante.
Violência: como denunciar
A mulher vítima de violência na hora do parto pode e deve ligar para o número 180, da Central de Atendimento da Secretaria de Políticas para as Mulheres. A reportagem fez o teste e encontrou um atendimento rápido e eficiente.
Funciona 24 horas, todos os dias. As atendentes são treinadas. O serviço consiste não no registro de denúncias, mas em ouvir a mulher e orientar, instruir, sobre como, onde e a quem procurar em busca de ajuda e como fazer para denunciar de maneira mais eficiente o hospital, médicos, enfermeiros e demais profissionais que a atenderam.
A secretaria informa que a comunicação não precisa ser feita exclusivamente pela vítima, muitas vezes fragilizada e traumatizada. Parentes e amigos podem ligar para o 180. E quanto antes melhor, pois é possível até tentar um flagrante. As Delegacias da Mulher da localidade mais próxima também estão entre os locais em que a denúncia deve ser feita.
A mulher vítima de violência na hora do parto pode e deve ligar para o número 180, da Central de Atendimento da Secretaria de Políticas para as Mulheres. A reportagem fez o teste e encontrou um atendimento rápido e eficiente.
Funciona 24 horas, todos os dias. As atendentes são treinadas. O serviço consiste não no registro de denúncias, mas em ouvir a mulher e orientar, instruir, sobre como, onde e a quem procurar em busca de ajuda e como fazer para denunciar de maneira mais eficiente o hospital, médicos, enfermeiros e demais profissionais que a atenderam.
A secretaria informa que a comunicação não precisa ser feita exclusivamente pela vítima, muitas vezes fragilizada e traumatizada. Parentes e amigos podem ligar para o 180. E quanto antes melhor, pois é possível até tentar um flagrante. As Delegacias da Mulher da localidade mais próxima também estão entre os locais em que a denúncia deve ser feita.
Com isso em conta,
cada grávida poderá saber como funciona uma cesárea e compará-la ao parto
normal. É importante conversar com o médico sobre o uso de ocitocina e sobre a
prática da episiotomia e opinar contra ou a favor.
A lei brasileira
garante a toda grávida o direito de ter um acompanhante na hora do parto.
Deve-se exigi-lo. Além de auxiliar a mulher nessa hora, a pessoa pode intimidar
ou evitar qualquer tipo de violência por parte da equipe médica.
Caso a paciente sinta
que sofreu algum ato de violência, deve-se denunciar prontamente. Gritos, tapas
e mau atendimento em um momento tão importante não devem ser considerados
práticas-padrão. E toda grávida tem o direito de expressar dor, sempre.
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