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Tatiana Pronin
Do UOL, em São Paulo
Se você é uma
daquelas mães sortudas cujo bebê começou a dormir de uma estirada só já aos 3
meses e nunca reclama quando é levado ao berço, nem perca seu tempo com esta
reportagem. Já se colocar seu filho para dormir é quase sempre um tormento,
saiba que você não está sozinha.
Embora os médicos
digam que aos 6 meses toda criança está fisiologicamente apta a dormir a noite
inteira, a realidade é um pouco diferente. Os resultados preliminares de uma
pesquisa com quase 1.000 mães no Canadá indicam que 73% das crianças de 6 meses
a 2 anos acordam os pais no meio da noite pelo menos uma vez por semana. E
quase metade, ou 43%, faz isso na maior parte das noites.
Coordenado pela
professora de psicologia Lynn Loutzenhiser, da Universidade de Regina, o
levantamento ainda mostra que 20% das mães levantam no mínimo três vezes
durante a madrugada para acudir o bebê. Uma rotina que faz muita gente desistir
do segundo filho.
Como explica o
pediatra e especialista em sono Gustavo Moreira, da Universidade Federal de São
Paulo (Unifesp), despertar várias vezes é absolutamente normal do ponto de
vista fisiológico. Quando isso acontece, a maioria das pessoas (inclusive
muitos bebês) muda de posição, dá uma olhada ao redor e volta a dormir. “Mas
algumas crianças não conseguem fazer isso sozinhas”, explica. Elas precisam de
colo, de companhia ou de algo para sugar para voltar aos braços de Morfeu.
Necessidades típicas
de sono na infância
Fonte: "Bom Sono", de Richard Ferber
Fonte: "Bom Sono", de Richard Ferber
Idade
|
Total de horas de sono
|
Número de sonecas
|
Recém-nascido
|
16h – 18h
|
variado
|
1 mês
|
14h – 18h
|
variado
|
3 meses
|
12h – 14h
|
3 – 4
|
6 meses
|
11h30 – 13h30
|
2 – 3
|
9 meses
|
11h45 – 13h15
|
2
|
12 meses
|
11h – 12h30
|
1 – 2
|
18 meses
|
11h – 12h15
|
1
|
2 anos
|
11h – 12h
|
1
|
3 anos
|
10h15 – 11h45
|
0 - 1
|
4 anos
|
10h30 a 11h15
|
0 - 1
|
5 anos
|
10h15 a 11h15
|
0
|
Claro que qualquer
criança vai acordar de madrugada se estiver resfriada, com dor no ouvido ou
desconforto pelo dente que está chegando. É preciso considerar, ainda, doenças
com diagnóstico mais difícil, como refluxo e alergias.
As causas para os
despertares podem ser variadas, mas, em boa parte das vezes, tudo se resume ao
que especialistas chamam de imaturidade neurológica ou psíquica. “O cachorro dá
os primeiros passos assim que nasce, mas com os bebês isso só ocorre depois de
um ano; da mesma forma, o sono não acontece naturalmente, só pelo cansaço”,
comenta a psiquiatra e psicanalista Nayra Ganhito, autora do livro “Distúrbios
do Sono” (Casa do Psicólogo).
O pediatra explica
que o bebê quase sempre compensa a falta de sono noturno nos cochilos que tira durante
o dia. Além disso, há crianças que dormem menos, assim como acontece entre
adultos.
Ainda que o médico
garanta que o bebê está sadio e crescendo adequadamente, é compreensível que os
pais busquem soluções para dormir melhor. Os efeitos da privação (ainda que
parcial) do sono são bem conhecidos pela ciência: irritabilidade, mau humor,
cansaço, dores e falta de memória, entre outros. Depois de acordar a noite
inteira, fica difícil trabalhar e mesmo cuidar do filho.
“Minha personalidade mudou muito desde que comecei a dormir picado. Ando
muito menos tolerante ultimamente e não pode acender fósforo perto de mim”,
relata Ligia Sena, em um dos divertidos posts do seu blog Cientista
Que Virou Mãe. Doutora em neurofarmacologia, ela concilia um novo
doutorado com os cuidados da filha, Clara, de 1 ano e meio, que ainda acorda
algumas vezes durante a noite.
Ela admite que a
privação de sono é penosa, mas não considera que a filha tem um problema: “As
pessoas acham que o bebê tem que ser um reloginho, e isso é reforçado por
muitos médicos”, critica. “Mas uma criança é diferente da outra, não só pelo
ambiente, mas do ponto de vista biológico também”, defende a cientista.
O papel da mãe
Como descreve Ganhito em um de seus artigos, “a mãe é a guardiã do sono do bebê”. Como a
criança ainda não é capaz de internalizar a figura materna, fechar os olhos é renunciar
a ela. E a mulher, muitas vezes fascinada pela maternidade (é difícil ficar uma
hora sequer longe da criança), ansiosa (será que ele está respirando bem, será
que está nutrido?), ou ausente (investindo menos do que o bebê precisa), pode
acabar tornando essa “separação” ainda mais penosa.
Como sugere a
especialista, uma autoanálise pode ser o primeiro passo para fazer o filho
dormir melhor. “É preciso pensar que o problema também está na relação e não só
no funcionamento neurobiológico da criança”, acredita.
O pediatra e
homeopata José Armando Macedo, do grupo de estudos Espaço-Potencial Winnicott,
do Instituto Sedes Sapientiae, também acredita que o estado da mãe possa
interferir no sono dos pequenos. “Um bebê que sente fisicamente o corpo tenso
da mãe que está insegura e ansiosa só consegue sustentação emocional quando
está colado ao corpo dela; ele exige uma sustentação que é física:
o colo”, avalia.
Excesso de estímulo
Macedo pondera que
também há outras questões envolvidas no sono da criança, como a
hiperestimulação. “Alguns bebês são mais excitáveis e alguns estímulos podem
ser excessivos para eles, como o calor ou o excesso de informação”,
exemplifica.
O médico observa que
muitos bebês vivem uma rotina de executivo – passam muitas horas no berçário e
são cuidadas por três ou quatro pessoas diferentes. E, se o dia é conturbado, à
noite os sonhos reproduzem a agitação.
Pelo mesmo princípio, limitar as sonecas durante o dia pode ser
desastroso para o sono noturno do bebê, embora muita gente pense o contrário. O
alerta é da neurocientista Andréia Mortensen, professora assistente da
Universidade Drexel, na Filadélfia (EUA) e colunista do Guia do Bebê.
É uma bola de neve: quanto menos a criança dorme, mais dificuldades de sono ela
terá.
Segundo ela, os
cochilos devem durar pelo menos uma hora. “A não ser em situações raras, em que
a criança tira sonecas longas demais, pode-se tentar encurtá-las. Mas o mais
comum é elas dormirem menos do que precisam durante o dia”, afirma.
Associações
Na ânsia de fazer o
bebê parar de chorar e voltar a dormir, é natural que a mãe ofereça o peito, a
chupeta, ou perambule com o pequeno pela casa. É quando acontece o que os
especialistas chamam de associação do sono: algumas crianças não conseguem mais
dormir sem a “muleta”.
Muitos especialistas
defendem que, para evitar essas associações, é importante que o bebê vá
sonolento, mas ainda acordado, para o berço. Até para evitar o choque de dormir
no aconchego do colo materno e despertar sozinho, em outro ambiente. “Caso ele
adormeça em outro lugar, dê um beijinho de boa noite, para que ele acorde e
veja onde está sendo colocado para dormir”, sugere a psicóloga Renata Soifer
Kraiser, autora do livro “O Sono do Meu Bebê” (CMS Editora).
Para o pediatra Sylvio Renan, autor de "Seu Bebê - Em perguntas e
respostas" (MG Editores) e do Blog do
Pediatra, uma vez na cama, o bebê não deve mais sair de lá. “Se a
criança solicitar os pais com choro ou gritos, eles devem se dirigir para o
quarto, acalmar a criança, cantar e fazer-lhe carícias, mas sem retirá-la do
berço.” O objetivo, diz ele, é que o local onde ele dorme seja sua única
associação ao sono.
A colunista do Guia
do Bebê tem opinião diferente. Para ela, até os 3 ou 4 meses, é natural que a
criança adormeça mamando ou no colo da mãe, já que nessa fase é fundamental
recriar o ambiente uterino. “Depois que o bebê passa por um grande salto de
desenvolvimento por volta do quarto mês, ganha uma bela maturidade e eu
recomendo que, então, que se alterne a maneira como ele adormece, ou seja, nem
sempre mamando, nem sempre embalando, às vezes com o pai, e assim por diante.
Dessa forma, a possibilidade de criar uma associação de sono é menor”, diz.
Rituais
Pelo menos em um aspecto, todos os especialistas e livros consultados
pelo UOL Ciência e Saúde são unânimes: a rotina é fundamental
para o sono da criança. Banho morno, pijama, peito ou mamadeira e canção de
ninar no berço podem ser os elementos do roteiro antes de dormir. O ursinho ou
a boneca de estimação – os chamados objetos transicionais – também podem trazer
conforto para o bebê.
Dormir em frente à
TV? Nem pensar. “É preciso reduzir os estímulos visuais e sonoros de 1h a 1,5h
antes de o bebê dormir”, ensina o pediatra Macedo. A estratégia adotada por
muita gente para baixar a adrenalina não funciona para a criança, de acordo com
ele: “O bebê dorme na TV por esgotamento pelo excesso de estímulo, e não porque
relaxa”.
E se nada funcionar?
De acordo com os
especialistas, a criança só alcança a tal maturidade neurológica para adormecer
totalmente sozinha, sem ajuda, por volta dos 2 ou 3 anos. Até lá, os pais têm
duas opções: procurar ajuda externa, nos livros ou consultórios, ou respirar
fundo e tentar “pensar grande”. Como conclui Mortensen, que também é mãe: “O
tempo passa muito rápido e aquele bebê que só dormia no colo, e acordava bastante
à noite, de um dia para outro passa a não querer mais seu colo, e vai se
afastando aos poucos conforme sua maturidade, de modo que não é preciso (e nem
recomendado) que nos afastemos deles precocemente”.
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