terça-feira, 24 de janeiro de 2012

BOICOTE A DOULAS por Ana Cristina Duarte

Já muito me entristecia quando eu sabia de médicos e/ou enfermeiras obstetras que desencorajavam "suas" gestantes de contratarem uma doula para seus partos, com as mais variadas desculpas.

Porém recentemente mais uma Casa de Parto se juntou ao time das instituições que pretensamente oferecem "Parto Humanizado", mas que aboliram a presença de doulas. Em geral as falas são as mesmas: "elas fazem coisas que não podem", "elas abusam", "elas discutem com os médicos/as enfermeiras". Em vez de formalizar essas reclamações para as próprias doulas, em vez de promover uma discussão saudável sobre o que se entendeu por violação das regras, a decisão sempre é a mais fácil: proibamos as doulas!

Aqui em São Paulo isso já aconteceu, e eu senti na pele na época em que eu era doula. Apesar de nunca ter feito um único procedimento, várias vezes fui acusada (não formalmente, mas por recados) de fazer exames de toque (e sem luvas!!!), de trancar gestantes no banheiro para fazer o parto, de "não deixar" o médico fazer procedimentos, enfim, uma infinidade de "crimes" os quais nunca havia cometido (eu tenho uma inteligência razoável para saber quais são os meus limites). As histórias que chegavam aos meus ouvidos, protagonizadas pela minha personagem, eram fantásticas! Irritantemente fantásticas.

Em outra Casa de Parto de outra cidade a justificativa da proibição de doulas particulares (mesmo que não pagas, mesmo que não estivessem cobrando) foi que poderia significar "dupla cobrança" ou seja, a casa é do SUS, não pode aceitar a entrada de um profissional pago, que já está sendo oferecido pelo governo.
Bom,
- primeiro que o governo não paga as poucas doulas voluntárias, então não seria exatamente uma "dupla cobrança",
- segundo que não existem doulas voluntárias para todas as mulheres,
- terceiro que a equipe médica e de enfermagem não faz o trabalho da doula,
- quarto que na prática, a doula voluntária atende principalmente a equipe, não os interesses das mulheres,
- quinto que todos os estudos mostram que os melhores resultados com doulas são as que são contratadas pela mulher e que não fazem parte da institução.

O mais curioso dessa "proibição de doulas", é que são sempre elas a serem proibidas quando algo supostamente foi feito errado. Médicos cometem erros, mas não proíbem médicos em hospitais, não é mesmo? Enfermeiras pisam na bola, mas não acabam proibidas de trabalhar nas Casas de Parto. Maridos eventualmente extrapolam, mas a lei é clara, e eles não podem mais ser proibidos ao lado de suas esposas.

A proibição das doulas nas Casas de Parto vai contra qualquer discurso de humanização. Aliás qualquer tipo de cerceamento da liberdade das mulheres vai contra o movimento de recuperação do protagonismo pelas mulheres. A gente já sabe o que há por trás. As doulas são as profissionais que defendem o desejo da mulher, são as que percebem as violações aos acordos, são as que denunciam maus tratos, são as que se queixam com a chefia. Doulas lembram que a gestante não queria episiotomia, quando o profissional ergue o busturi. Doulas perguntam se precisa mesmo ficar deitada de pernas amarradas. Doulas falam e perguntam. Doulas incomodam mesmo. Doulas atrapalham mesmo.

A outra questão que gera a proibição de doulas em algumas instituções é puramente financeira. Quando uma vez liguei para a gerente de uma famosa maternidade de São Paulo me identificando como "gestante que queria levar uma doula", ela me perguntou quanto eu iria pagar para a minha doula. Dei um valor X e ela disse: por X eu posso te conseguir uma enfermeira aqui da nossa maternidade para te acompanhar durante todo o trabalho de parto. Carece mais explicação?

Enquanto as mulheres tolerarem esses abusos e decisões silenciosamente e não escreverem cartas de protesto, não apresentarem denúncias formais, quem vai decidir o futuro delas, com ou sem doulas, continuarão sendo os mesmos personagens de sempre que simplesmente decidirão por eles mesmos o que é melhor para todas as mulheres. É o dever de cada cidadã dizer: Eu vou levar minha doula, e se eu não posso, quero isso por escrito, pois vou à imprensa, à secretaria de saúde, ao ministro, à presidenta!

O mesmo vale para o acompanhante de escolha, obviamente! Que as mulheres percebam e exijam seus direitos.

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