Brasil ainda não sabe como reduzir o
número de cesáreas. Tentativas feitas até agora foram em vão. Número de partos
feitos desse modo só cresce no país
Publicado em 15/10/2011 | POLLIANNA
MILAN
Halline teve a primeira filha por cesárea e a outra por parto normal: o envolvimento no segundo parto foi bem maior |
As mulheres com plano de saúde ajudam a
elevar o índice de cesáreas no Brasil. O país tem uma das maiores taxas de
parto cesariano do mundo, com atualmente 45%. Enquanto no Sistema Único de
Saúde (SUS) 40% dos nascimentos são via cesáreas, na saúde suplementar este índice
mais do que dobra, chegando a 90%.
Desde 2005, quando se descobriu que as
mulheres com plano de saúde em quase sua totalidade faziam cesarianas, o
governo federal e as entidades médicas se uniram para pressionar as operadoras
a reduzir as taxas. Passados seis anos, pouca coisa mudou e, o pior, o Brasil
até agora não sabe ao certo em qual frente deve trabalhar para reverter a
situação, já que os fatores de escolha pelo parto cesáreo são múltiplos.
Mitos
Conheça
algumas crenças sobre o parto normal que não são comprovadas pela Medicina:
Há muita perda de sangue
Na realidade, na
cesariana se perde muito mais sangue.
A dor é muito forte
Na hora da cirurgia
da cesárea a mulher não sente dor devido à anestesia, mas a recuperação é bem
mais complicada e dolorida.
O bebê se machuca
Pelo contrário: a
passagem pelo canal vaginal ajuda a criança a expelir os últimos líquidos,
inclusive do pulmão, e isso evita a síndrome de angústia respiratória.
A relação é pior
Na cesárea, muitas
vezes, o bebê vai para a incubadora. Segundo médicos, isso é extremamente
prejudicial na relação da mãe com o filho. No parto normal o bebê é colocado
imediatamente no peito da mãe para criar o vínculo maternal.
Reduz a libido
Ao contrário do que
se acredita, o parto normal não diminui a libido.
Levantamento
Dinheiro gasto com cesarianas poderia ir para outras áreas
O Ministério da Saúde
tem pesquisas que mostram o quanto de dinheiro foi usado desnecessariamente com
cesarianas, mas os dados são internos e não podem ser divulgados à imprensa. A
economista Tabi Thuler Santos, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento
Regional de Minas Gerais, defendeu recentemente uma dissertação onde trabalhou
o tema Evidências de indução de demanda por parto cesáreo no Brasil e chegou à
conclusão de que “há dinheiro gasto com cesáreas que poderia ser usado para
investimento em outras áreas”. O custo de um parto normal pelo Sistema Único de
Saúde é de R$ 291 e a cesariana custa cerca de R$ 402. O valor, no privado,
pode variar conforme a operadora do plano.
“A cesariana é um
procedimento cirúrgico que às vezes demanda UTI e antibióticos: é um problema
de saúde e econômico”, diz. Tabi revisou a literatura e chegou a dois dados
interessantes: o primeiro é a crença (errada) de que a mulher que tem o
primeiro parto de cesariana precisa fazer os outros do mesmo modo. “Um estudo
de São Paulo de 2002 revelou que 95% das mulheres com mais de um parto fizeram
cesariana no segundo ou nos outros porque já haviam passado uma vez pela
cirurgia”, diz. Outro dado, de 2009 (Rio de Janeiro), é de que apenas 37% das
cesáreas no período foram uma escolha exclusiva da mulher, ou seja, a
interferência do médico é grande.
O outro lado
Plano de saúde adere à campanha
A Agência Nacional de
Saúde Suplementar (ANS) lançou uma campanha intitulada Parto Normal está no meu
plano com o intuito de incentivar as mulheres com planos de saúde a não optar
pela cesariana. A reportagem entrou em contato com a Associação Brasileira de
Medicina de Grupo (Abramge), com a Federação Nacional de Saúde Suplementar
(Fenasaúde) e a União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas)
para saber qual o posicionamento das operadoras de planos de saúde sobre os
altos índices de cesarianas na saúde suplementar. A única que atendeu à
reportagem foi a Unidas.
Por e-mail, ela
respondeu que faz pesquisas (está na 12ª edição) para verificar a adesão à
cesariana e que tem percebido as altas taxas, por isso aderiu à campanha da
ANS. Sobre os motivos das altas taxas, afirmou que é um problema cultural e o
fato de os riscos da cesariana não serem levados em conta. A presidente da
Unidas, Denise Rodrigues Eloi de Brito, ressalta que não há culpados pelas
altas taxas de cesariana, afinal, “hoje o custo dela é equivalente ao do parto
normal e, às vezes, até maior.”
A ideia de que parto era algo para ser
feito nos hospitais foi copiada dos Estados Unidos, mas lá as taxas de
cesarianas chegam a 27%, bem inferiores ao Brasil. A Organização Mundial da
Saúde (OMS) sugere uma taxa de parto cesáreo de 25% para cada país. Com o
intuito de acabar com as altas taxas, o Conselho Federal de Medicina (CFM), a
Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo),
a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e outras entidades médicas
fizeram uma pesquisa com 3 mil médicos para tentar mapear as motivações pela
escolha da cesariana e, assim, combatê-las. A pesquisa só será divulgada em
novembro, mas, em entrevista, as entidades já adiantam alguns fatores
observados.
Motivos
A questão mais óbvia desta diferença é
que as atendidas pelos planos de saúde podem escolher livremente o parto que
querem ter, e elas preferem o cesáreo por diversos fatores: pela comodidade,
pela falsa ideia de que dói menos (na verdade, a recuperação da cesariana é bem
mais dolorida), por medo de o parto normal machucar o bebê (se for feito
corretamente, é inverídico) e, atualmente, pela violência urbana e a
possibilidade de não haver vagas nas maternidades.
“Nas grandes cidades, mulheres e
médicos têm preferido marcar a cesárea para evitar a surpresa de um parto
normal na madrugada, colocando em risco o médico, a parturiente e o bebê, pois
podem ser assaltados no trajeto até a maternidade”, explica a médica Lucila
Nagata, membro da comissão de mortalidade materna da Federação Brasileira das
Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Além disso, o
agendamento acaba sendo a garantia de que a mulher vai ter o filho no lugar
escolhido previamente.
Indução
A grande reclamação das mulheres, porém, é de que os médicos induzem ao parto cesáreo. Elas dizem que os médicos fazem isso devido à cesariana ser mais cômoda para eles, afinal, este parto dura cerca de duas horas enquanto um parto normal pode durar 12 horas.
“Sempre quis ter normal, cheguei a entrar em trabalho de parto e o médico, no hospital, me disse que eu não tinha dilatação. Ele me pegou em um momento de fragilidade e afirmou que teria de ser cesárea pelo bem do bebê. Acabei cedendo, mas foi frustrante”, afirma a farmacêutica Halline Queiroz, que tem duas meninas, a Julia e a Laura.
A Julia nasceu de cesariana e a Laura de parto normal. “Na segunda vez, mudei de médico e ele me provou que o parto normal era possível. Ele derrubou o mito de que mulher que tem o primeiro filho de cesárea vai ter de fazer cesariana sempre”, conta.
Prematuridade aumenta e bebês vão para UTIs
O problema da escolha pela cesariana é cultural, segundo a gerente-geral de regulação assistencial da Agência Nacional de Saúde Suplementar, Marta Oliveira. Para ela, não basta pressionar os planos de saúde para reduzir as taxas, “a mulher precisa aceitar o parto normal.”
Marta chama a atenção para o fato de as cesarianas serem literalmente agendadas, ou seja, a mulher nem chega a entrar em trabalho de parto e o bebê, por isso, acaba nascendo imaturo (com o pulmão ainda com líquido). “Se tivéssemos 90% de partos cesáreos e estivesse tudo bem, sem problemas. A questão é que temos a prematuridade aumentando e muitos bebês ficando em UTIs. Este tipo de consequência nos preocupa”, diz.
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