CONTINUANDO A SÉRIE DE TEXTOS DA DOULA ADÈLE VALARINE!
Tudo aquilo que ninguém te contará sobre o processo.
"Para aqueles que escolheram a pílula vermelha..."
Texto publicado no Blog Opus Daimon
A geração peridural
Imagens de mulheres em trabalho de parto, em hospitais americanos dos anos 20, 30 e 40 mostram mulheres sedadas no chamado Twilight Sleep: eram administradas catecolaminas e anticonvulsivos, um coquetel de drogas que "apagava" a consciência da mulher, deixando-a em estado animal, completamente descontrolada, e sem nenhuma memória do evento. Geralmente, as mulheres eram amarradas, imobilizadas e até mesmo vendadas, para controlar seus impulsos violentos e impedir que se machucassem ou atacassem alguém. Dessa época datam os relatos de mulheres insultando os médicos, tentando arrancar-lhes os olhos com as mãos, arranhá-los e mordê-los.
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Twilight Sleep em hospitais americanos - anos 20 e 30 |
Os familiares da mulher, que permaneciam do lado de fora da sala de parto, sequer imaginavam que lá dentro estava acontecendo um bad-tripgigantesco, e acreditavam que era o parto que fazia isso com a mulher. Aquela imagem caricata, do pai fumando, desesperado, um charuto atrás do outro, na sala de espera, ouvindo os gritos de sua mulher através da porta, e rezando para aquilo tudo acabar logo, parece dolorosamente próxima da realidade da época, que se estendeu até o final dos anos cinquenta.
As crianças nascidas dessa maneira cresceram para formar as gerações dos anos sessenta e setenta, gerações conhecidas por sua incessante busca por estados alterados de consciência, e por um profundo mal-estar e insatisfação com a realidade.
Nos anos 70, graças ao movimento hippie, uma leva de mulheres da nova geração começou a revindicar seu parto de volta. Não mais queriam a ausência de dor e de memória, não mais queriam passar por manipulações sem serem consultadas: queriam viver a experiência do parto plenamente, conscientemente. Não queriam perderseu parto.
As parteiras tradicionais, que lutavam para sobreviver em uma cultura que havia migrado para o ambiente hospitalar, lentamente voltaram a cobrar forças, e o movimento pelo parto domiciliar se iniciou, para o grande desconforto da classe médica, motivado pela insatisfação das mulheres com o atendimento médico oferecido nos hospitais até então. Fazia-se mister o lançamento de alguma estratégia que bloqueasse esse movimento de diáspora hospitalar e trouxesse as mulheres de volta.
O desenvolvimento do ultrassom e da anestesia peridural, no início dos anos oitenta, foi essa tentativa. E deu muito certo! Com as novas possibilidades que a tecnologia oferecia, como ver o bebê ainda dentro da barriga, e também estar consciente na hora do parto sem sentir dor alguma, aliadas à promessa de segurança em caso de emergência, as mulheres voltaram voando para o hospital!
E então, os anos oitenta foram o marco inicial do desenvolvimento dageração peridural, essa turminha que nasceu nas mãos da modernidade tecnológica, com mamãe acordada, sorridente e insensível às sensações do trabalho de trazer seu filho ao mundo.
Assim como o ultrassom, a peridural foi publicisada como o must-have do parto. Em pouco tempo, alastrou-se a idéia de que era impossível aguentar um parto sem peridural, só mesmo uma masoquista para tentar, e foram, mais uma vez, omitidos os efeitos colaterais que essa intervenção acarreta.
Peridural |
Uma vez aplicada a anestesia peridural, a mulher vai perdendo as sensações do peito para baixo. Dependendo da quantidade de medicamento injetado, ela perde totalmente o controle dos músculos das pernas e da barriga, sendo assim impossível ajudar seu bebê a nascer com movimentos e com a ajuda da gravidade e da força muscular. A mulher não consegue mais parir. Quem tem de ir lá e tirar o bebê é o médico. A anestesia peridural aumenta a necessidade de fórceps e vácuo extrator no parto. Ambos são instrumentos de extração do feto, ou seja, servem para "arrancar o bebê do abrigo materno" (isso é uma tradução direta de uma expressão em francês). O uso desses instrumentos exige que se façam também outras intervenções, como a episiotomia (corte na vagina para alargar o canal do parto).
O bebê também recebe a anestesia peridural: a placenta não é capaz de bloquear a droga, como muitos acreditam. O bebê fica "grogue", perde a força e a coordenação dos músculos, assim como sua mãe. Porém, como seu fígado ainda não está maduro, seu organismo não consegue processar a toxina e liberá-la tão facilmente como o organismo adulto:enquanto a mamãe recupera da anestesia em 3 horas, em média, o bebê pode continuar bem anestesiado por 8 horas ou mais. Isso interfere bastante no trabalho de parto pois, para quem não sabia, a maior parte do trabalho de parto, quem faz é o bebê! Ele se estica, gira para lá e para cá, apóia a cabeça no colo do útero e empurra com força. É isso que faz a dilatação acontecer. As contrações servem para ajudar ele a se mexer lá dentro e empurrar. Quando a mulher faz força, ela também está ajudando o bebê a empurrar com a cabeça.
Rotação do bebê |
Breastcrawl |
O parto com peridural é um parto onde mãe e bebê permanecem passivos, anestesiados (numb). Em alguns casos, eles se esforçam, até muitíssimo, para fazer o parto acontecer, porém nem sempre são capazes, pela falta de controle de seus corpos, causada pela peridural. Aação interveniente do médico, para guiar e puxar o bebê de um lado, enquanto outro médico aperta a barriga da mãe para simular a força que ela não consegue fazer do outro, é essencial para o bom andamento do parto com anestesia peridural. Depois disso, o bebê tampouco consegue ser ativo para alimentar-se, sendo muitas vezes alimentado quase à força na maternidade (por sonda, mamadeira ou copinho).
Essa apatía anestesiada (numbness), essa sensação de incapacidade de fazer as coisas acontecerem por si mesmo, vira o primeiro imprintdaquele ser humano, sua marca psíquica primordial, fundamental, aquilo que ele procurará inconscientemente reproduzir ao longo de toda sua existência.
Vivemos hoje uma época em que as drogas mais usadas são aquelas que produzem um efeito similar ao da anestesia peridural: uma progressiva falta de controle muscular, associada a uma sonolência (numbness) mental. Álcool, maconha, derivados do ópio, assim como drogas farmacológicas de popularidade mais recente, como o prozac e sua família, produzem no indivíduo um efeito de letargia, como estar "dentro de uma nuvem de algodão", que se assemelha ao efeito da peridural no organismo do bebê.
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Ana Luísa, adorei o post! Interessantíssimo!
ResponderExcluirNão sabia que a peridural era capaz e produzir tantos efeitos no bebê, nem que o parto acontecia dessa forma após o uso da anestesia. Muito instrutivo! Se um dia tiver um filho, não vou querer peridural jamais!
É Dalila! Muitas coisas não nos falam, porque não convém dar esta informação, não convém que nós nos empoderemos e tomemos decisões conscientes dos seu riscos ou benefícios!
ResponderExcluirEu não recebi anestesia não!
Beijo!