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Deu na Folha de ontem: 72% dos 10.905 adultos entrevistados receberam castigos físicos quando crianças, e 54% do total são contra o projeto de lei que "estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante". Pior ainda: 69% das mães e 44% dos pais batem em seus filhos.
Deu na Folha de ontem: 72% dos 10.905 adultos entrevistados receberam castigos físicos quando crianças, e 54% do total são contra o projeto de lei que "estabelece o direito da criança e do adolescente de serem educados e cuidados sem o uso de castigos corporais ou de tratamento cruel ou degradante". Pior ainda: 69% das mães e 44% dos pais batem em seus filhos.
Aaaaarg. Tenho vergonha de pertencer a um país assim, onde bater em velhinhos é crime, maltratar animais de estimação dá cadeia, mas a maioria da população acha normal e correto bater em seus filhos, e é CONTRA ter seu "direito de bater nos filhos" negado pelo Estado. O mesmo país que, de forma análoga, precisou de uma lei para explicar aos maridos que não podem bater em suas mulheres, agora protesta pelo direito de bater em seus filhos. Vergonha, vergonha, vergonha.
Aproveitei a oportunidade de uma reunião no prédio da Folha ontem para sugerir mais uma análise dos dados da pesquisa da Datafolha: seriam os adultos que apanharam na infância aqueles que hoje são contra a "lei das palmadas", e portanto a favor do castigo corporal, enquanto os adultos que não apanharam hoje são a favor da lei? Aposto que sim. Como disse na coluna de hoje, no caderno Equilíbrio, o cérebro que sofre violência muda. Alguns se revoltam e passam a abominar a violência - caso do meu próprio pai, por exemplo, como ele me disse ontem ao telefone, ao me ouvir comentar, chocada, os dados da Folha. Mas esses, infelizmente, são minoria. A maioria, agredida pelos pais em criança, passa a achar a violência natural.
Há explicação para isso (que não coube na coluna da Folha): quando somos crianças, o cérebro não consegue vincular nada de negativo à própria mãe; a amígdala simplesmente não faz a associação. Com outros indivíduos agressores, sim; com a própria mãe, não. "Qualquer mãe serve em tempos turbulentos", como diz Robert Sapolsky, neurocientista especializado em estresse.
Resultado: a criança que apanha da mãe tem medo da punição, mas não acha que a mãe é má, ruim, ou está errada; vira um adulto que acha que apanhou "porque mereceu"; acha que dar palmadas é certo, porque se achar errado, a implicação é que a mãe estava errada; e, portanto, segue o exemplo e bate em seus próprios filhos, perpetuando o ciclo vicioso. E ainda exige que o estado lhe assegure o "direito" de bater em suas crianças - "necessário", porque esse adulto acha que falar, conversar, dialogar, dá trabalho demais. É vil, vil, vil. Envergonhem-se, 54% da população. Usem seu córtex pré-frontal e revejam sua opinião.
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