sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A Dra Melania Amorim fala sobre a humanização do parto



Melania Amorim é formada em medicina pela UFPB, com residência médica em Ginecologia, Obstetrícia e Saúde Materno Infantil pelo IMI de Pernambuco. Doutora em Tocoginecologia pela Universidade Estadual de Campinas e com vários artigos publicados em revistas internacionais, além de autora de livros referentes ao assunto. É professora adjunta na Universidade Federal de Campina Grande e atualmente trabalha na disseminação do parto humanizado na cidade de Campina Grande. Portal Celino Neto a convidou para uma entrevista esclarecedora sobre o assunto.

 CN – Iniciaremos com a clássica pergunta. O que é parto humanizado?

Melania Amorim – O termo "parto humanizado" tem múltiplos significados, mas refere-se basicamente a uma nova filosofia de assistência ao parto, em que se privilegia a autonomia e o protagonismo da mulher neste momento tão importante para a sua vida e a sua família, que é o nascimento de um bebê. "Parto humanizado" não é uma técnica ou um método, é antes uma concepção filosófica. Além do resgate do protagonismo feminino no parto, o que se propõe é reduzir as taxas de cesariana que atingem taxas assombrosas em nosso país e, inclusive, em nossa cidade, evitar a excessiva medicalização do parto e manter normal o que é normal, ou seja, não intervir no processo que é fisiológico, exceto se houver evidências sólidas corrobrando a necessidade de intervenção.

CN – Existe diferença entre o parto humanizado e os outros?

Melania Amorim – Sim. Na assistência humanizada, evitam-se procedimentos desnecessários e somente são realizadas intervenções cuja efetividade e segurança tenha sido demonstrada por estudos científicos bem conduzidos, seguindo os postulados do que costumamos denominar "Medicina Baseada em Evidências". Práticas ultrapassadas como jejum, tricotomia (raspagem dos pelos) e enteróclise (lavagem intestinal) não devem ser adotadas. Deve-se permitir e encorajar que a mulher assuma a posição que desejar durante o trabalho de parto. A presença do acompanhante deve ser estimulada, sabe-se que as mulheres se sentem mais seguras e confortáveis quando acompanhadas por alguém de sua família ou de seu grupo de amigas. A presença do acompanhante resulta em menor dor para a parturiente e reduz as intervenções desnecessárias. Estimulam-se as posições não-supina para o parto e deve ser evitado o parto na posição convencional, de litotomia (popularmente conhecida como de "frango assado"). São usados métodos não-farmacológicos para alívio da dor, e analgesia é realizada em casos selecionados, caso a parturiente solicite. Evita-se a episiotomia de rotina, isto é, o "corte" no períneo que teoricamente se acreditava facilitar a saída do bebê, porém hoje em dia se sabe que não é necessário de rotina... e pode ser prejudicial. Imediatamente depois do parto o bebê deve ser colocado nos braços da mãe, aquecido e secado em seu colo, estimulando-se a amamentação na primeira meia hora de vida. Mas em todos os momentos se deve considerar as características e expectativas daquela parturiente.

CN – Em Campina Grande os hospitais e serviços de saúde já estão preparados para esse tipo de intervenção?

Melania Amorim – O maior preparo deve ser dos profissionais de saúde. Não há necessidade de equipamentos ou técnicas especiais para se humanizar a assistência ao parto..., é antes uma questão de paradigma. De forma geral, a maioria dos hospitais que atendem parturientes pelo SUS peca, aqui, por não contar com suítes PPP (pré-parto, parto e puerpério) individuais, preservando a privacidade das parturientes, e tampouco contam com camas ou cadeiras especiais para parto. Mas todos esses equipamentos são relativamente fáceis de conseguir, o Ministério da Saúde tem todo o interesse em favorecer a humanização da assistência ao parto e os hospitais interessados podem preparar projetos de reforma e encaminhá-los ao Ministério. As equipes trabalhando com assistência ao parto devem ser interdisciplinares, com presença de outros profissionais além do médico: enfermeiras, fisioterapeutas, psicólogas, doulas, e todos esses profissionais devem ser sensibilizados e capacitados para prestar assistência humanizada.

CN – Que os benefícios o parto humanizado traz para as mulheres e para os filhos?

Melania Amorim - Além de parâmetros subjetivos, como maior satisfação das parturientes, uma assistência humanizada e baseada em evidências ao parto reduz as taxas de cesárea, reduz as complicações maternas, reduz significativamente as taxas de episiotomia e de sangramento pós-parto, favorece o início precoce da amamentação e sua manutenção nos seis primeiros meses de vida, reduz os riscos da prematuridade iatrogência por cesarianas eletivas desnecessárias e reduz o tempo de internação hospitalar. Além disso, em longo prazo, reduz a mortalidade materna e perinatal.

CN - No geral todas as mulheres podem se beneficiar desse processo?

Melania Amorim – Sim. É possível se prestar assistência humanizada mesmo no parto das gestantes de alto-risco. Durante todo o tempo em que desenvolvemos as nossas atividades no ISEA, incluímos tanto mulheres de baixo como de alto-risco, incluindo casos de pré-eclâmpsia grave que, em sua maioria, puderam ter parto normal.

CN – Você acha que o fato de Gisele Bundchen ter optado por pelo parto humanizado influenciou outras mulheres a procurar o procedimento?

Melania Amorim – Gisele Bundchen tem contribuído para chamar a atenção para essa possibilidade, que deve ser um direito de TODA mulher. Mas um movimento de humanização da assistência ao parto já vem se consolidando no Brasil há alguns anos, com a contribuição importante da Rede de Humanização do Parto e Nascimento (ReHUNA) e da ONG "Parto do Princípio", por exemplo. Muitas mulheres estão se conscientizando da importância do parto humanizado e o movimento já conta com vitórias consideráveis, dentre as quais a exigência do cumprimento da Lei do Acompanhante.

CN – Recentemente você ministrou cursos sobre o tema na USP e em São Carlos. Quais os resultados desse simpósio para disseminação do parto humanizado?

Melania Amorim - O impacto foi extremamente favorável, permitindo o diálogo entre usuárias, profissionais de saúde e entidades médicas. Em São Carlos, o evento foi patrocinado pela Unimed e na USP foi de responsabilidade da Escola de Saúde Pública. A presença das usuárias marcou fortemente ambos os eventos, a diferença entre ambos foi que o evento de São Carlos deu maior ênfase ao parto para as mulheres de classe média, assistidas pelos convênios, enquanto o evento da USP foi mais voltado para as usuárias do SUS.

CN - Por parte do governo federal ou estadual, existem campanhas de incentivo para opção desse parto?

Melania Amorim – O governo federal, através do Ministério da Saúde, tem investido fortemente na humanização do parto, inclusive desde 2001 temos a publicação da Norma Técnica do MS para assistência humanizada ao pré-natal, parto e puerpério. Mas aqui em Campina Grande, infelizmente, não notamos grande interesse do governo municipal. O Projeto de Humanização da Assistência ao Parto que desenvolvemos no ISEA é totalmente voluntário, baseia-se na boa-vontade de uma equipe interdisciplinar que trabalha por Amor, tentando sensibilizar os profissionais de saúde e propiciar atendimento digno às parturientes. Mas não conta com o apoio oficial nem na direção da Maternidade nem da Prefeitura. Não dispomos de verbas e enfrentamos muita resistência, inclusive com essa reforma da maternidade que vem se arrastando estamos com dificuldade para retomar as atividades do Projeto no ISEA. Já fizemos contato com a diretoria da FAP, no entanto, e a ideia é de concentrar nossas atividades por lá, esperando que o ISEA nos permita retornar em algum momento.

CN – Qual o ambiente mais propício para a realização desse procedimento, já que existem várias formas de humanizar o parto?

Melania Amorim – O ambiente somos nós que fazemos, nossa equipe dispõe já de todo o arsenal necessário, o que é muito pouco: cadeira de parto, banquetas, bolas, piscinas... Encontrando acolhimento, dá para humanizar a assistência ao parto em qualquer maternidade. É preciso, no entanto que os gestores sejam sensíveis e se disponham a seguir este novo paradigma.

CN – Fale sobre o projeto do parto humanizado em Campina Grande.

Melania Amorim - O projeto teve início em julho de 2007, quando uma pequena equipe de voluntários, composto por mim, como obstetra, por enfermeiras, fisioterapeutas, doulas e estudantes de Medicina começaram suas atividades no ISEA, na forma de plantões semanais. O ISEA NÃO tem uma estrutura como a recomendada pelo MS para assistência humanizada, porém com boa-vontade e muito amor conseguimos resultados impressionantes até junho de 2009, quando as atividades foram temporariamente suspensas por conta da reforma naquela instituição: foram 200 partos assistidos, com apenas 7,5% de cesárea, nenhuma episiotomia, início do aleitamento na sala de parto e elevado grau de satisfação das parturientes. Os vídeos do Projeto estão disponíveis no Youtube.



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